A Cultura em Exemplos

De Burger King a Disney

Contexto e Transformação Cultural

O narrador e seu sócio trabalharam anteriormente com cultura de uma forma mais tradicional.

Burger King (BK): Da Diversão ao Resultado O BK, originalmente uma empresa americana, nasceu focada na diversão e em "tirar sarro do Mac" (McDonald's), o que estava provavelmente vinculado ao prazer. Em 2010, foi adquirida pelo grupo 3G Capital, um dos mais focados em resultado, controle, desempenho e meritocracia, fundado por Jorge Paulo Leman. Essa aquisição gerou uma transformação cultural significativa. O novo modelo de gestão implementado pela 3G Capital incluía metas claras, rituais de gestão, e remuneração variável baseada em mérito (meritocracia). Os valores do BK passaram a incluir meritocracia, foco no cliente e visão de dono. Uma campanha de remuneração variável ilustrou essa mudança, destacando que mais de 13 milhões foram pagos em remuneração variável e que alcançar metas dependia do mérito individual, refletindo um foco intenso em resultados.

Gol (Cia. Aérea): Do Low Cost ao Acolhimento A Gol, fundada em 2001, foi a primeira companhia brasileira a adotar explicitamente a lógica low cost (baixo custo), cortando recursos e tempo, como o serviço de bordo, para baratear passagens e vender mais quantidade do que qualidade. Contudo, com a chegada de concorrentes como a LATAM (antiga TAM) e a Azul, que ofereciam preços próximos e um serviço melhor, a Gol precisou de uma mudança radical. A cultura se transformou de resultado e independência para acolhimento e servir bem. Métricas baseadas em eficiência pura foram revistas; por exemplo, a antiga meta de 10 segundos para o despachante de mala atender cada pessoa nunca resultaria em "servir bem". A nova cultura, resumida no "Jeito Gol de servir", enfatizava dedicar-se ao cliente, ter espírito de equipe e colaborar, chegando a implementar "contadores de sorrisos".

Culturas Focadas no Prazer e Autonomia

Airbnb: O Prazer da Exploração e Flexibilidade O Airbnb nasceu de uma situação inusitada (ceder a casa com colchões infláveis, daí o "air") para jovens que precisavam pagar a faculdade e contas atrasadas, o que o situa na linha de aprendizado e prazer. A empresa mantém-se fiel a essa origem, focando na flexibilidade e independência nas tomadas de decisão. O ambiente físico interno é descrito como leve, divertido, experiencial, com decorações lúdicas e inspiradoras. Ações internas, como conceder crédito de viagem para colaboradores terem novas experiências e incentivar o voluntariado remunerado, criam um clima de espontaneidade, alegria e autenticidade, engajando pelo prazer de explorar e experimentar.

Zappos: Cliente como Rei Centrado no Aprendizado e Resultado A Zappos, uma empresa americana de calçados, é considerada um grande case de cultura obcecadamente centrada no cliente. No entanto, seu núcleo é aprendizado e resultado, funcionando como um ambiente de exploração com alta autonomia. As equipes são encorajadas a quebrar regras, mas sempre em benefício do cliente. O artefato cultural que simboliza essa filosofia é o trono na entrada da sede, lembrando diariamente que o cliente é o "rei". Este artefato reforça o foco na experiência e a licença para os colaboradores decidirem na linha de frente. O ato de quebrar regras por autonomia e independência está ligado ao aprendizado e resultado. Um exemplo clássico é o atendente que organizou uma coleta especial de sapatos e enviou um buquê de flores com um cartão de condolências a uma cliente viúva, demonstrando o "efeito de quebrar as regras pelo cliente".

Propósito vs. Hierarquia de Valores

Avon: O Negócio Pautado pelo Propósito A Avon entendeu que nada é mais importante para ela do que a mulher. A empresa nasceu com um propósito (câncer de mama) e assumiu causas mais complexas, como a violência contra a mulher. A diferença crucial é que o negócio da Avon é dedicado a uma causa, e as tomadas de decisão são pautadas por ela. Ter um propósito, neste contexto, difere de apenas ter uma fundação ou uma linda política ESG; a relação entre os estilos culturais é de hierarquia e prioridade.

Disney: A Ordem por Trás do Acolhimento A Disney é frequentemente vista como um exemplo de acolhimento puro. Contudo, seu ambiente interno é extremamente coreografado para garantir consistência (Ordem), pois processos claros garantem um resultado final consistente. O atendimento humanizado é assegurado por processos tradicionais. Os colaboradores são chamados de Casts (elenco/atores), realizando uma "coreografia dia após dia". A tomada de decisão dos Casts é orientada pelas Quatro Chaves da Disney (hierarquia de valores), em ordem de prioridade:

1. Segurança: Prioridade máxima (Exemplo: desligar o brinquedo imediatamente se houver risco).

2. Cortesia: (Exemplo: parar para tirar uma foto, mesmo que atrapalhe a eficiência).

3. Show (Espetáculo).

4. Eficiência. A segurança e a cortesia podem se sobrepor à eficiência e ao show em caso de conflito, demonstrando a hierarquia de valores em ação.

Estabilidade e Segurança no Agronegócio

Agroluz Agrícola: Previsibilidade e Gestão de Risco Em um diagnóstico no interior do Mato Grosso, a Agroluz, uma mega fazenda, tinha encontros diários focados quase sempre na segurança. Embora a empresa acreditasse estar na linha do acolhimento pela ajuda dada às pessoas, a cultura real era marcada pela previsibilidade, gestão de risco (Segurança) e planejamento. A segurança, além do risco físico, abrange a sustentabilidade do negócio. A cultura valoriza normas, processos e cautela na tomada de decisão, visando a sustentabilidade financeira. Sua declaração cultural reforça a manutenção dos ritos e cuidados ("se renova de sol a sol"), buscando ser um "agro diferente, um agro mais próximo e humano"

Pontes culturais

iFood: A Metáfora dos Jet Skis O iFood nasceu como uma startup disruptiva (Aprendizado/Independência), mas cresceu para um "grande transatlântico" (mais de 7 mil colaboradores) que necessita de processos (Ordem). O desafio é que o excesso de processos pode burocratizar a inovação. Para manter a inovação, o iFood utiliza a metáfora dos "Jet Skis": pequenas equipes ágeis e multidisciplinares que saem do transatlântico, validam ideias rapidamente com baixo risco e custo, e retornam com dados sólidos. Isso permite que a empresa mantenha a linha de independência no aprendizado, mesmo que a organização principal seja pautada por normas e processos.

Itaú: O Hub de Inovação O Itaú, como um banco tradicional, está fortemente ancorado na estabilidade e segurança. Para inovar, após várias tentativas internas, o banco criou o Cubo, um hub de inovação posicionado fora do ambiente corporativo tradicional, com uma "cara de startup".

O Processo de Escultura da Cultura (Ouvir, Acreditar, Viver)

A cultura, como a pedra bruta de Michelangelo, já existe na empresa. O desafio é enxergar e esculpir (moldar) essa cultura. O processo de moldagem é dividido em três esferas:

1. Ouvir (A Declaração): A parte declarada, que transforma as aspirações em declarações explícitas, como missão, visão, valores, artefatos, rituais, e ambiente físico. Esta é a "grande promessa" que o colaborador escuta.

2. Acreditar (A Reputação): O colaborador precisa sentir que a promessa é real. Isso ocorre através da coerência entre o que é declarado e o que é experienciado (prática dos líderes). O acreditar é reputacional, pois reputação é o que já foi feito, enquanto a declaração é promessa.

3. Viver (A Incorporação): É o momento em que o colaborador assimila o que a empresa defende, incorporando valores e propósito em suas ações e decisões, tornando-se parte ativa da construção cultural. Quanto maior a coerência entre discurso e prática, mais intencional, moldável e previsível se torna a cultura.

A Importância da Atitude e do Sentimento

Para finalizar, a citação da poetisa Maya Angelou resume a essência da cultura e da marca: "As pessoas esquecem o que ouviram ou leram, mas nunca esquecem como se sentiram". O que realmente importa não é apenas o que se diz (as palavras), mas como se diz e como se faz (as atitudes), ou seja, a prática e a atitude são mais importantes que a declaração.

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