Artigo

Entre pão, música e negócios. Um estudo sobre a influência de cada indivíduo na cultura e nos resultados.

Douglas Conte, cofounder Qore.me e especialista em cultura e endobranding

Poucos aromas são tão aconchegantes e apetitosos quanto o cheirinho matinal de um pão fresquinho recém-assado. Mas o que isso tem a ver com cultura e com negócios?

A receita do pão é uma das mais antigas e copiadas fórmulas do mundo. Algumas cidades e países disputam o título e se autoproclamam as mais saborosas padarias. Paris, Viena, San Francisco, Nápoles, Istambul — todos têm suas razões e motivações para erguer a bandeira de melhor pão do mundo. San Francisco, por exemplo, diz que é graças a uma bactéria presente apenas na atmosfera da cidade. 

A questão que não pode ser ignorada é: se a receita é a mesma e os ingredientes são tão simples, por que há tanta discrepância no resultado final? 

O caos. Mas não no sentido negativo da palavra, costumeiramente empregado. E sim a teoria do caos: uma subárea da teoria dos sistemas dinâmicos que se concentra especificamente em soluções que exibem sensibilidade extrema às condições iniciais. Em um sistema não linear, cada mudança nas condições iniciais, altera diferentemente o panorama final como um efeito em cadeia. Um dos mais emblemáticos exemplos é o “efeito borboleta” que sugere que o bater de asas de uma simples e inofensiva borboleta pode desencadear uma série de eventos que seriam capazes, inclusive, de criar um furacão em outro lugar do planeta.

A receita do pão segue essa lógica. Não é apenas o equilíbrio entre a farinha, o fermento e a água, nem as diferentes técnicas de preparo, que importam. São inúmeros os aspectos que influenciam a qualidade final. Até mesmo a umidade, a pressão atmosférica e as bactérias presentes no ar e nas mãos do padeiro podem mudar o destino da receita.

Assim como o pão, toda empresa é um sistema dinâmico não linear. E vou te explicar esse conceito com outra analogia: imagine um quarteto de músicos de jazz. Quando eles improvisam, criam algo que nenhum deles, individualmente, poderia produzir. Como diz o músico e psicólogo Keith Sawyer: mesmo que cada músico saiba de antemão toda a composição mental dos outros, teria dificuldade para prever o que sairia como resultado da improvisação do grupo. 

Uma empresa é uma big band de jazz. Quanto maior, mais variáveis enriquecem o caldo e geram um imprevisível resultado final. A imprevisibilidade, nesse caso, é a incapacidade de controlar, sobretudo, a consequência das ações como um todo. Complexo? Sem dúvidas! Falar sobre relações entre pessoas, sentimentos e significados é naturalmente complexo. 

Quando olhamos para o organismo corporativo, podemos dizer que o produto do conjunto das ações é sempre maior do que a soma das individualidades. É como admitir que “1+1” nem sempre é 2. Assim como a mistura das notas do trompete, do sax, do baixo e da bateria é muito mais profunda e agradável do que a produção individual de cada instrumento, as pequenas contribuições, em uma empresa, produzem resultados mais amplos do que o individual. 

O que quero dizer com isso, é que cultura não é uma fórmula pronta. Não adianta analisarmos as bem-sucedidas empresas e copiar o que eles fizeram ou como agem. O papel número um das empresas é, sobretudo, conhecer a si mesma. Quais crenças, comportamentos e pressupostos estão intrínsecos ao grande grupo? Qual o jeito de ser vigente? Quais as verdades genuínas e diferenciais autênticos que fazem sentido e orgulham quem trabalha aqui?

A cultura não depende do CEO, dos executivos ou diretores. Ela existe, acontece e dita o ritmo dos eventos, antes mesmo de ser percebida. Como escreveu Scott Davis, não é a declaração de missão corporativa que dita as ações e sim o sistema de crenças dos funcionários que impulsiona os comportamentos. Agora, some isso à frase de Marty Neumeier que diz que o comportamento da empresa combina com a imagem que ela transmite e você tem o carma fundamental da cultura organizacional. 

Isso quer dizer que não podemos controlar a cultura? Pela minha experiência, estudos e toda a biografia que já li, posso afirmar que não.

Por outro lado, podemos e devemos influenciá-la. Inclusive, Edgar Schein, um dos grandes gurus sobre o tema, dizia que se você não influenciar a cultura, ela influenciará você — e pode ser que você nem perceba. 

Isso quer dizer que, no fim, não adianta sair criando uma série de ações, campanhas ou painéis majestosos para explicitar a nova missão e os valores da empresa se isso não for a verdade vigente. Esses materiais, por melhores e mais caros que sejam, não alterarão sozinhos o sistema de comportamento dos colaboradores. E é simplesmente inviável pensar em mudanças representativas sem conhecer, em profundidade, qual a cultura vigente na organização.

Farei mais uma analogia. É a última, juro! O surfista não cria a onda. Ele espera, observa e, a partir da soma de experiências passadas e repertório de outras observações, enxerga a formação de um novo e promissor volume de água, rema na direção certa e “apenas” surfa.

Transformar a cultura ou fortalecer a realidade existente é como ser um surfista sobre a prancha em mar aberto. Primeiro, precisamos mergulhar, identificar comportamentos e crenças recorrentes e, a partir deles, traçar a jornada desejada. Pense assim: o mar também é um sistema dinâmico não linear e, assim como em uma empresa, às vezes, precisamos somente observar e surfar as ondas positivas, garantindo que todos remem na mesma direção.

Quando facilitamos que os colaboradores vivam na prática os valores defendidos pela organização, garantimos alinhamento entre discurso e práticas de forma genuína e verdadeira, criando uma receita própria. Mesmo que o resultado do pão, do quarteto de jazz e dos eventos climáticos causados pelo bater de asas da borboleta sejam imprevisíveis, quando conseguimos alinhar e gerar unidade de crenças e comportamentos, garantimos coerência e autenticidade nas ações e imagem reverberada pela marca.

No fim, uma organização é mais do que um mero conjunto de processos, projetos e sistemas; é uma orquestra de indivíduos, cada um contribuindo com suas notas para compor uma melodia coletiva, onde a cultura e os resultados precisam ressoar harmonicamente.

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